Acordou um pouco apática. Tomou banho, mas não teve vontade de olhar o tempo lá fora. Colocou música, cantarolou Better, da Regina Spektor, enquanto pensava que poderia ter uma boa desculpa para não sair de casa. Na verdade, sabia que não acharia nenhuma, e nem teria coragem de faltar sem motivos ao trabalho. Mas sentia uma vontade enorme de não abrir as janelas, apagar a luz e deitar novamente. Não, não sentia sono. Era a idéia maravilhosa de ficar ali, no escuro, alheia ao mundo barulhento e cinza lá fora, que a perturbava.

Mesmo assim, foi tomar café, enquanto sua tevê contava que o trânsito (novidade!) estava um inferno. Resolveu que iria de metrô, mesmo sabendo que estaria lotado. Pegou sua Convidada, de Simone de Beauvoir, e foi andando. Escutava Drexler, pensando que Inoportuna mesmo era aquela inquietação que a estava dominando. Viu, no caminho, uma família de moradores de rua sentados na calçada. Resolveu fotografar. Sabia que seriam mais fotos clichês sobre um tema considerado clichê. Não que fotografá-los em si não fosse interessante, mas nunca foi uma fotógrafa autêntica, original. Clicava “mais-dos-mesmos” sempre.

Quando chegou ao trabalho, leu as manchetes dos principais jornais. Era importante para uma jornalista se manter informada. A redação do jornal onde trabalhava era pequena, afinal, jornal de bairro é isso mesmo… Leu uma notícia sobre Cuba, e no meio do blábláblá de sempre, encontrou um especialista falando que Che Guevara era um dos últimos heróis da história. E que não fazia parte da pós-modernidade a idéia dos grandes heróis.

Aquilo mexeu com ela. Ficou pensando sobre o do yourself que havia dominado até a política. Pensou nas discussões na época da faculdade sobre os “independentes”, que sempre acabavam não conseguindo fazer nada, porque não queriam se envolver num grupo. Pensou ainda em todas as coisas que tinha feito até agora. Que coisas mesmo?

E assim, sem saber exatamente como tinha ido do sonho de “fazer jornalismo para mudar o mundo” para o “pautas sobre os melhores restaurantes para os dias dos pais”, começou o seu trabalho. Procurou na internet notícias sobre o bairro do jornal, ligou para os anunciantes querendo saber se tinham novidades, fez tudinho igual a todos os outros dias. “Melhor eu não pensar mais nessas coisas… tenho mais o que fazer, afinal…”