contos


andando pelas ruas, por essas ruas, ela não sabia direito no que poderia fazer para melhorar aquilo que ela não era. sim, o que não era mesmo. bom, melhor explicar… é que tinha ela, Fabiana, advogada, solteira, amiga, baladeira. e tinha o que ela não era, mas que era em seus pensamentos. mas essa ela é mais difícil de por em adjetivos ou substantivos. era uma versão mais light, menos corajosa. era a versão dela que não enfrentava o mundo.

não que ela não gostasse de ser aquilo que era. gostava sim. adorava seu trabalho, seus amigos, sua família. adorava a falta de rotina, o cachorro, os passeios de bicicleta. e o que mais gostava era aquele sentimento quase doído de que ela se valeria por ela mesma, que não tinha ninguém que fosse por ela. porque suas amigas tinham marido, filhos, sogra.  ela não. sabia que a única pessoa que se importaria era o tom, o labrador mais lindo do mundo.

mas a outra ela, a que ela não era, essa dependia de todos. não que fosse casada, não era (ela achava absurdo fantasiar uma vida que em nenhum ponto se encontrasse com a dela). mas tinha um namorado carinhoso, e a família dele a amava. pois é. bizarro pra quem ve assim, de sola, mas ela via naquelas fantasias uma forma de se libertar da obrigação de ser aquilo que era.

parou a bicicleta e sentou  num banco da praça. notou que estava bastante longe de casa, que tinha ido mais longe que o normal. mas não havia problema, ela sabia bem onde estava. só não sabia por que estava ali naquele momento. olhou a janela da casa dele. não gostava da sensação de mistura da realidade com os seus sonhos. odiava isso. mas sempre que se perdia no não-real, acabava por fazer aquilo.

ele apareceu na janela, pensativo. sim, era ele, o seu não-namorado, que morava com a sua não-sogra. ela se sentiu enrubrecer só de pensar que ele podia estar olhando na direção dela. porque ele não sabia que ela o tinha em seus sonhos, mas mesmo assim, ela teve medo. pegou sua bicicleta e votou para casa  o mais rápido que pode. “onde já se viu ele querer aparecer de verdade?”

 

rodrigo olhava pela janela procurando inspiração. era nessa posição que gostava de imaginar uma outra realidade. para ele, era uma forma de parecer que o mundo era mais bacana do que ele realmente era. viu uma garota andando de bicicleta, com pressa. ela parecia com a garota dos seus sonhos, só que essa era mais meiga.

bom, ela nunca falara, na vida real, mais do que “bom dia, rodrigo”, mas ele ficava feliz que ela sabia o seu nome. um dia, ela comentou sobre a gravata dele, disse que era elegante. foi aí que ele começou a imaginá-la como sua namorada. “minha mãe ia adorá-la”, pensou. mas nunca teve coragem de falar com ela. sabia que a fantasia era muito melhor que a realidade.

hoje te vi pelo buraco da fechadura. você não parecia muito contente. engraçado que sempre te encontro assim, meio sem sorrir, mas com ar tranquilo de quem nada tem a se preocupar. ele tagarelava ao seu lado, falando das coisas que você nunca quer saber. você estava linda. eu, com medo de ser notado, desencostei da porta e fui buscar um café. essa é sempre uma boa desculpa para estar de pé; foi você quem me ensinou.

claro que eu fantasiei a sua entrada por aquela porta, abandonando seu companheiro de caminhada e vindo em minha direção. deve ser meio babaca isso, né? por que sonhamos em forma de clichê?  bom, mas no meu clichê você corria na minha direção, sorrindo aquele sorriso que quase nunca vejo, e me beijava.

mas você não parou. não me olhou. não sorriu. e eu tive que voltar ao meu trabalho, enquanto o barulho incomodo do ar condicionado me levava para outras ilhas,  outro canto qualquer. e você passou. sabe-se lá pra onde foi. nos meus sonhos, você pensava em mim. mas deveria estar pensando mesmo era naquele filme que está querendo assistir.

pensei até em te chamar pra ir ao cinema, mas achei que você não aceitaria. não conseguimos nem tomar aquele sorvete que queríamos tanto. ou será que era eu que queria muito e você ia só me acompanhar?

fiquei pensando em todas aquelas coisas que eu já ouvi você dizer sobre mim. e sobre nós. sobre o que somos ou, como você adora lembrar, o que não somos. não sei viver assim, meu caro. não sei ser essa pessoa que só te procura nos momentos improváveis. sim, só sei mesmo falar de amor, que é aquilo que inspira meus textos. não que eles sejam bons para falar em inspiração, mas eu sou assim mesmo. vou fazendo e vendo no que é que dá. foi assim que me aproximei de você e te beijei. pra ver no que dava. deu que ainda somo amigos, mas que hoje te olho diferente. porque existem palavras proibidas. não há nada pior em qualquer relação do que palavras proibidas.

e você ainda enrubrece quando falo dos seus beijos, dos nossos beijos. prefere se esconder nesse papel de melhor amigo, me contar sobre todas as garotas lindas que você observa no trabalho. prefere me lembrar que sua ex-namorada é uma babaca porque não fala mais com você.  e me dizer, rindo, que às vezes acha que nunca vai ser bom pra ninguém. 

e eu fico me perguntando por que estamos aqui. por que estou escrevendo essas coisas todas, falando sobre o que não existe. escrevo ao acaso o que sinto. mas não sinto de verdade. são palavras soltas, histórias falsas. eu queria mesmo era me apaixonar…